Administradoras e gestoras de fundos de investimento localizadas na Faria Lima, principal centro financeiro do país, têm resistido a revelar quem são seus beneficiários finais, mesmo quando obrigadas pela Justiça. Em processos judiciais acompanhados pelo Metrópoles, essas empresas costumam enviar respostas vagas, alegando não poder divulgar os nomes dos cotistas dos fundos.
Um levantamento realizado pelo Metrópoles identificou 177 fundos que somam um patrimônio de R$ 55 bilhões e que estão sem auditoria ou foram considerados inauditáveis por auditores independentes. Desses, 71 fundos têm como únicos acionistas outros fundos, configurando estruturas que não são abertas a investidores comuns e que facilitam a blindagem de patrimônio.
No esquema de blindagem, o dono do dinheiro busca a administradora para montar um fundo no qual sua própria empresa é a única investida. Com isso, o investimento parte de um único cotista, que é o próprio dono da empresa, evitando que o dinheiro circule em contas correntes pessoais ou empresariais. Dessa forma, o capital permanece protegido dentro do fundo, que investe na empresa e mantém oculta a identidade do verdadeiro proprietário.
Quando surgem indícios de fraudes, as administradoras desses fundos privados dificultam o acesso aos nomes dos cotistas. Frequentemente, a Justiça determina a abertura da “caixa-preta”, revelando que o investidor é, na verdade, outro fundo. Como não há limites legais para a quantidade dessas camadas, muitas vezes a origem do dinheiro permanece desconhecida.
Entre as administradoras citadas em investigações de fraudes está a Planner, que luta judicialmente para não revelar dados de um fundo suspeito de proteger o patrimônio do empresário João Appolinário, dono da Polishop, que está em recuperação judicial desde 2024. A Justiça já reconheceu o uso de fundos para blindagem patrimonial no caso, e os bancos credores da Polishop seguem em disputa judicial para acessar informações sobre os cotistas.
João Appolinário ganhou notoriedade como jurado do programa “Shark Tank”, onde investidores decidem sobre aportes em negócios apresentados por pequenos empreendedores. Em maio de 2024, a Polishop entrou com pedido de recuperação judicial, o que protege a empresa de bloqueios judiciais e possibilita a renegociação de dívidas. Atualmente, a batalha entre bancos e o empresário envolve o uso de múltiplas camadas de fundos para dificultar a cobrança das dívidas.
Procurada pelo Metrópoles, a defesa da Polishop afirmou que não comenta processos em andamento.
Já a Planner afirmou que todos os fundos de investimentos administrados por ela “possuem demonstrações financeiras auditadas e publicadas no site da CVM”. Além disso, diz, “a Planner adota todas as diligências necessárias para a entrega de subsídios ao auditor, de modo que, na hipótese de qualquer apontamento, como a abstenção, são tomadas as devidas providências para endereçar o apontamento objeto da demonstração financeira auditada, em estrito cumprimento às normas legais e regulatórias e em observância às melhores práticas de mercado”.
“A Planner esclarece que não há qualquer condenação em seu desfavor no âmbito da ação de improbidade administrativa mencionada. O processo está em curso, tendo a Planner apresentado sua defesa técnica perante o Poder Judiciário, comprovando que não praticou qualquer ato improbo. A Planner reforça que sempre atuou em estrita observância à legislação vigente e às melhores práticas do mercado”, afirmou.
A empresa diz que “cumpre rigorosamente com suas obrigações fiduciárias e o dever de sigilo estabelecidos pelo Bacen e pela CVM, assim, em obediência à legislação vigente, a entrega da lista de cotistas é realizada mediante determinação judicial ou por solicitação dos órgãos reguladores”.
“Ademais, a Planner informa que não há nenhuma solicitação de informações que tenha ficado pendente de resposta, de modo que reforça seu comprometimento em colaborar com os órgãos reguladores e com o Poder Judiciário, sempre atuando em estrita observância ao que determinam as normas legais e regulatórias vigentes”, conclui.