Os preços elevados da carne e do café — dois dos principais produtos exportados pelo Brasil — foram apontados como um dos fatores que influenciaram a recente mudança de postura do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em relação ao Brasil. No entanto, segundo fontes em Washington DC, essa motivação econômica não foi a mais relevante, já que esses valores vêm se mantendo altos há bastante tempo.
Fontes próximas ao governo norte-americano afirmam que o verdadeiro motivo da reviravolta de Trump está ligado a um traço marcante de sua personalidade: a aversão a ser associado a perdedores. Para o republicano, Jair Bolsonaro teria perdido a batalha política pela anistia, enquanto Luiz Inácio Lula da Silva se consolidou como uma figura fortalecida e com boas chances de reeleição.
A partir dessa percepção, Trump teria decidido reformular sua narrativa política. Ele passou a enxergar em Lula um personagem com quem poderia se identificar: alguém que enfrentou o sistema judicial, foi perseguido por adversários e conseguiu dar a volta por cima. Essa nova leitura se conecta diretamente à forma como Trump descreve a própria trajetória, marcada por processos e pela tentativa de manter a imagem de “vítima vitoriosa”.
Réu em quatro processos criminais nos Estados Unidos, Trump tem buscado reforçar sua imagem de líder resistente, que sobreviveu a tentativas de desmoralização. Nesse contexto, Lula surge como um exemplo conveniente — um político que, apesar das adversidades, conseguiu retornar ao poder e recuperar sua popularidade.
Encontro na Malásia
Durante a reunião deste domingo (26), em Kuala Lumpur, Donald Trump mostrou curiosidade sobre o passado recente de Luiz Inácio Lula da Silva. O ex-presidente americano perguntou ao brasileiro sobre o período em que esteve preso e ouviu atentamente o relato. Em tom de empatia, comentou que também havia enfrentado perseguições e destacou que, assim como Lula, conseguiu dar a volta por cima e sair vitorioso.
A ideia de vitória, aliás, tem sido o elo que mais aproxima Trump de Lula e o afasta de Jair Bolsonaro. O termo “vitorioso” resume a imagem que o republicano busca projetar — a de um líder que supera obstáculos e não se deixa abater por derrotas políticas ou judiciais.
Em outro momento, durante o voo entre a Malásia e o Japão, Trump aproveitou para parabenizar Lula pelo aniversário e elogiou sua disposição. Segundo relatos, o americano disse ter ficado “muito impressionado” com o brasileiro e o descreveu como um homem “vigoroso”, reforçando novamente a associação à figura do vencedor, com a qual Trump se identifica.
Na entrevista coletiva que antecedeu a cúpula, o nome de Jair Bolsonaro surgiu em uma pergunta. Enquanto Lula reagia com gestos de reprovação, Trump limitou-se a fazer breves comentários de solidariedade ao ex-presidente, evitando se aprofundar no tema. Durante a reunião, quem trouxe o assunto à tona foi o próprio Lula, ao afirmar que Bolsonaro e os demais réus no caso da “trama golpista” tiveram amplo direito de defesa.
Trump ouviu a explicação em silêncio, sem fazer objeções, mesmo quando Lula classificou como “injustas” as sanções impostas aos ministros Alexandre de Moraes e Alexandre Padilha. Fontes próximas afirmam que o americano chegou a demonstrar surpresa ao descobrir que a filha de Padilha também havia sido alvo das medidas. Ainda assim, consideram mais provável que os Estados Unidos revisem a tarifa de 50% do que revoguem as sanções em vigor.
Menosprezo a perdedores
Ao longo de sua história, Trump tem exibido duas características persistentes: menosprezo a perdedores e facilidade para mudar o status de inimigos e de amigos.
Em 2015, durante evento de campanha em Iowa, ele desprezou o histórico do senador republicano John McCain, derrotado na eleição presidencial de 2008.
Trump afirmou que passou a desgostar de McCain após sua derrota eleitoral: “Ele perdeu, nos decepcionou. Ele perdeu. Então, eu nunca gostei tanto dele depois disso, porque eu não gosto de perdedores”.
O então candidato colocou em dúvida até o status de McCain como herói, por ter sido prisioneiro de guerra no Vietnã:
“Ele é herói de guerra porque foi capturado. Eu prefiro pessoas que não foram capturadas”.
Durante visita à França em 2018, Trump cancelou abruptamente uma ida ao cemitério de Aisne-Marne, onde estão sepultados soldados americanos mortos na 1.ª Guerra Mundial, alegando mau tempo.
Segundo fontes, o presidente desdenhou da importância da homenagem: “Por que eu deveria ir àquele cemitério? Está cheio de perdedores”.
Na mesma viagem, Trump ainda se referiu aos mais de 1.800 fuzileiros navais mortos na batalha de Belleau Wood como “otários” (“suckers”) por terem sido mortos em combate.
Trump negou publicamente ter feito essas declarações, mas diversos veículos confirmaram o relato de forma independente.
Durante um fórum de investimentos em Riad, na Arábia Saudita, no dia 13 de maio, o presidente americano declarou, ao explicar uma tentativa de reaproximação com o Irã: “Eu nunca acreditei em ter inimigos permanentes. Eu não gosto de inimigos permanentes, mas às vezes você precisa de inimigos para fazer o trabalho. Inimigos te dão motivação”.
Trump rompeu o acordo nuclear com o Irã em 2018 e bombardeou o país este ano, mas periodicamente fala com otimismo em negociar com o regime.
No início de seu primeiro mandato, em 2017, Trump ameaçou com “fogo e fúria” o líder norte-coreano, Kim Jong-un, por ele apelidado de “Homem-Foguete” (Rocket Man).
Em setembro do ano seguinte, depois de realizar em Singapura uma cúpula com Kim, envolta em grandes expectativas, Trump disse, num comício na Virgínia Ocidental: “Então nós nos apaixonamos, OK? Sério. Ele me escreveu cartas lindas, e elas são ótimas cartas”.
Depois disso, Trump se distanciou novamente de Kim, por não ter aceitado sua condição de abrir mão do arsenal nuclear.
Recentemente, o presidente americano voltou a falar em procurar o ditador norte-coreano.
Dinâmica parecida ocorreu em relação ao presidente chinês, Xi Jinping. Segundo o então conselheiro de Segurança Nacional John Bolton, que participou de uma reunião entre ambos, em 2018, Trump disse que admirava Xi e argumentou que, se ele não comprasse mais grãos do Meio Oeste americano, os democratas venceriam as próximas eleições, e seriam bem piores para a China do que o presidente republicano.
Veio a pandemia, e Trump culpou o regime chinês pelo surgimento do vírus da Covid-19, tornando Xi seu principal inimigo.
Neste segundo mandato, Trump tem alternado declarações e ações que ora distanciam ora reaproximam os dois líderes, no contexto da guerra comercial desencadeada pelo presidente americano.
Inversamente, Trump também rompe abruptamente com aliados próximos. Em janeiro de 2018, seu ex-estrategista-chefe Steve Bannon foi citado fazendo críticas duras à família Trump no livro Fogo e Fúria, do jornalista Bob Woodward.
Trump declarou: “Steve Bannon não tem nada a ver comigo ou com minha presidência. Quando ele foi demitido, ele não apenas perdeu o emprego, ele perdeu a cabeça”.
Os dois são próximos novamente hoje.
Antes de disputar com Hillary Clinton a eleição de 2016, Trump chegou a elogiá-la publicamente, demonstrando amizade pelo casal Clinton.
Em 2012, por exemplo, ele afirmou em entrevista: “Hillary Clinton, eu acho, é uma mulher fantástica. Eu realmente gosto muito dela e do marido. Acho que ela realmente trabalha duro e faz um bom trabalho”.
Já em julho de 2015, logo depois de lançar sua campanha presidencial, ele afirmou que “Hillary Clinton foi a pior secretária de Estado da história dos Estados Unidos”. O candidato apelidou a adversária de “Crooked Hillary” (“Hillary Vigarista”) e criou o slogan “Prendam-na”.
Trump não cultiva inimigos, alvos e nem mesmo objetivos fixos. Ele ajusta constantemente sua estratégia de acordo com as circunstâncias.
Não esconde isso porque não vê nada de errado nisso. Ao contrário, considera sua flexibilidade e capacidade de adaptação a chave de seu sucesso. Seus seguidores, também, e por isso não lhe cobram o que outros classificariam de “coerência”.


