Em meio à forte repercussão da megaoperação contra o Comando Vermelho (CV) no Rio de Janeiro — considerada a mais letal da história do estado, com mais de 120 mortos nos complexos da Penha e do Alemão —, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenta reforçar o discurso de combate ao crime organizado e de atuação coordenada entre os entes federativos.
As movimentações do Planalto ocorrem em um momento de tensão com o governador Cláudio Castro (PL), que vem cobrando maior apoio do governo federal nas ações de segurança. Em declarações recentes, Castro afirmou que o Rio está “sozinho” na luta contra o tráfico e o poder das facções criminosas.
Após a operação, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, declarou que o governo federal não foi informado previamente sobre a ação. No entanto, o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, contradisse parcialmente a versão ao afirmar que a corporação foi comunicada em “nível operacional”, embora tenha considerado que não cabia à PF intervir diretamente.
A divergência de informações entre autoridades federais e estaduais gerou questionamentos e críticas da oposição, além de aumentar a pressão sobre o governo Lula. Diante do desgaste, o presidente determinou uma série de medidas e gestos públicos para demonstrar articulação e compromisso no enfrentamento ao crime organizado.
Como primeira resposta, o Palácio do Planalto enviou uma comitiva ministerial ao Rio de Janeiro na quarta-feira (29). Integraram o grupo Ricardo Lewandowski, Andrei Rodrigues e as ministras Anielle Franco (Igualdade Racial) e Macaé Evaristo (Direitos Humanos e Cidadania). Durante a visita, foi anunciada a criação de um escritório emergencial de comunicação entre o governo federal e o do estado, voltado a agilizar respostas em situações críticas. Lewandowski também confirmou o envio de 20 peritos da Polícia Federal para auxiliar nas investigações sobre a operação.
Lei de combate ao crime organizado
Nessa quinta-feira (30), dois dias após a megaoperação no Rio de Janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei nº 15.245/2025, que endurece o combate ao crime organizado em todo o país e amplia as medidas de proteção a autoridades e servidores públicos que atuam diretamente nessa área. A iniciativa é vista como parte da resposta do governo federal ao aumento da pressão por ações mais firmes na área da segurança pública.
A nova legislação cria duas novas modalidades de crime voltadas a punir quem tentar “impedir, embaraçar ou retaliar” o andamento de investigações relacionadas a organizações criminosas ou a aprovação de medidas voltadas ao seu enfrentamento. As penas previstas variam de 4 a 12 anos de reclusão, além de multa, dependendo da gravidade e da participação do acusado.
O texto também modifica o artigo 288 do Código Penal, que trata da associação criminosa. A partir de agora, qualquer pessoa que solicitar, ordenar ou contratar a prática de crimes a membros de uma organização criminosa poderá ser punida com a mesma pena aplicada aos integrantes do grupo, de 1 a 3 anos de prisão, sem prejuízo da pena correspondente ao delito encomendado, caso ele seja efetivamente cometido.
Além do aspecto punitivo, a lei reforça o arcabouço de segurança pessoal para agentes públicos envolvidos na repressão à criminalidade. Estão contemplados juízes, membros do Ministério Público, policiais e militares, inclusive aposentados, bem como seus familiares, sempre que houver risco comprovado em razão do exercício da função.
Com a sanção, o governo federal busca fortalecer os instrumentos legais de combate às facções e organizações criminosas, além de garantir maior segurança jurídica e pessoal aos profissionais que atuam na linha de frente contra o crime organizado — uma medida considerada estratégica diante do atual cenário de violência e das operações de grande impacto em curso no país.
PEC da Segurança Pública
O Palácio do Planalto tem intensificado nos últimos dias a divulgação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública, utilizando principalmente as redes sociais como canal de comunicação com a população. A estratégia busca reforçar a importância da medida no enfrentamento às facções criminosas e mobilizar apoio político e popular.
Em sua primeira manifestação sobre a megaoperação realizada no Rio de Janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ressaltou que a PEC vai “garantir que as diferentes forças policiais atuem de maneira conjunta no enfrentamento às facções criminosas”, destacando a necessidade de integração e coordenação entre os órgãos de segurança pública.
A proposta, considerada a principal aposta do governo federal para o fortalecimento da segurança pública, foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados em 15 de julho, mas ainda depende da análise da comissão especial criada para debater o tema. Depois dessa etapa, seguirá para votação no plenário da Câmara.
Inicialmente, a PEC enfrentou resistência de alguns governadores, incluindo Cláudio Castro, que questionaram a centralização de competências em Brasília. Para avançar no processo legislativo, o relator Mendonça Filho (União Brasil-PE) adotou uma postura conciliadora, retirando do texto o trecho mais polêmico que atribuía à União a competência exclusiva para legislar sobre normas gerais de segurança pública, defesa social e sistema penitenciário.
Nesta quinta-feira, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), anunciou que a comissão especial deve votar a PEC no início de dezembro. Segundo ele, após a aprovação no colegiado, o texto será encaminhado rapidamente ao plenário da Câmara e, posteriormente, seguirá para análise do Senado.
Entenda
- A medida do governo do presidente Lula determina que as diretrizes de combate ao crime serão centralizadas na União e no Conselho Nacional de Segurança Pública. Um dos objetivos do texto é dar status constitucional ao Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), criado por lei em 2018.
- A PEC da Segurança também cria regras para que os entes federativos acessem o Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) e o Fundo Penitenciário Nacional (Funpen).
- Inicialmente, o Ministério da Justiça propôs que caiba exclusivamente à União legislar sobre “normas gerais de segurança pública, defesa social e sistema penitenciário”, mas o trecho foi retirado pelo relator da PEC na Câmara, deputado Mendonça Filho (União Brasil-CE).
- A proposta também fortalece a atuação da Polícia Federal e altera a Polícia Rodoviária Federal (PRF) para Polícia Viária Federal (PVF).
- A PVF deve ter a atribuição de realizar o policiamento ostensivo em rodovias, ferrovias e hidrovias federais. Ou seja, pode passar a ter o poder de polícia ostensiva nesses locais.
- O texto do governo também reproduz a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de dar poder de polícia às guardas municipais. Elas poderão atuar em ações de segurança urbana, de forma que não se sobreponham às atribuições das polícias Civil e Militar.
Projeto antifacção
Na semana passada, o ministro da Justiça entregou ao Planalto um projeto de lei que visa ampliar as penas aplicadas a organizações criminosas, intensificando o combate ao crime organizado no país.
De acordo com a proposta, a punição para integrantes de facções passaria dos atuais 3 a 8 anos de prisão para 5 a 10 anos. Em casos de homicídio praticado por ordem ou em benefício de organizações criminosas qualificadas, a reclusão seria elevada para 12 a 30 anos.
O projeto também prevê a transformação do crime de organização criminosa qualificada em hediondo, além do aumento de pena de dois terços ao dobro quando houver envolvimento de crianças ou adolescentes, participação de servidores públicos ou ligação entre diferentes facções.
Batizado como Projeto de Lei Antifacção, o pacote, inicialmente chamado de “antimáfia”, tem como alvo também o crime organizado infiltrado na administração pública, buscando desarticular redes que atuam por meio de empresas. Uma das medidas inclui a criação de empresas fictícias para infiltração e coleta de informações sobre facções criminosas.
Por determinação do advogado-geral da União, Jorge Messias, a minuta do PL foi enviada à Casa Civil na terça-feira, em meio à repercussão da megaoperação no Rio de Janeiro. Atualmente, o texto está em análise técnica no órgão.
Após essa avaliação, o projeto será encaminhado para assinatura do presidente Lula e, em seguida, despachado para o Congresso Nacional.
Conforme revelou a coluna de Igor Gadelha, do Metrópoles, integrantes do Ministério da Justiça passaram a defender que o governo priorize o Projeto Antifacção em vez da PEC da Segurança Pública, argumentando que o PL pode oferecer uma resposta mais rápida à sociedade e enfrentar menos resistência legislativa.
Fontes do Metrópoles indicam que o projeto deve chegar ao presidente até a próxima semana. No entanto, existe o risco de que a proposta fique retida na pasta por mais tempo, já que a PEC da Segurança Pública permaneceu cerca de quatro meses em análise da Casa Civil.
O presidente Lula embarca para Belém (PA) no sábado, 1º de novembro, e deve permanecer fora de Brasília até 10 de novembro, quando terá início a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30).


 
                                    