A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) obteve uma decisão favorável à União no processo movido contra a Samarco Mineração S.A., que havia deduzido de forma indevida valores referentes à recuperação ambiental e multas ambientais do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), entre os anos de 2016 e 2019. O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) acompanhou o entendimento da PGFN e manteve as autuações fiscais, que somam mais de R$ 1,8 bilhão envolvendo a Samarco e sua acionista Vale S.A.
Durante o julgamento, o procurador da PGFN, Vinícius Campos, argumentou que aceitar o pedido da mineradora significaria distorcer o sistema punitivo e administrativo do direito tributário. Segundo ele, permitir a dedução desses valores criaria “um sistema contraditório, em que o Estado, ao mesmo tempo em que aplica uma penalidade, aceita que ela use isso como benefício fiscal”. O procurador ainda ressaltou que essa interpretação acabaria por “estimular a prática de ilícitos”.
O caso foi analisado pelo Carf, que decidiu negar o recurso da Samarco e manter integralmente os autos de infração. A mineradora havia descontado, na apuração dos tributos, despesas com reparação ambiental, socioambiental e multas administrativas decorrentes do rompimento da barragem do Fundão, em Mariana (MG), ocorrido em 2015.
Em sua defesa, a Samarco sustentou que as despesas deduzidas deveriam ser consideradas essenciais à sua atividade, por envolverem riscos ambientais inerentes ao setor de mineração. A empresa alegou ainda que tais gastos são despesas operacionais normais e usuais, conforme previsto na legislação tributária, e que, portanto, seriam dedutíveis.
Segundo a mineradora, os valores questionados decorrem de obrigações assumidas em acordos judiciais firmados com o Ministério Público Federal (MPF), a Defensoria Pública da União (DPU), municípios atingidos e outros órgãos. Um desses acordos, o Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC), resultou na criação da Fundação Renova, encarregada da gestão das ações de reparação e indenização — principal destino dos valores deduzidos. Outra parte dos montantes foi destinada ao pagamento de multas ambientais.
Em contrapartida, a PGFN defendeu que esses gastos não atendem aos critérios de necessidade, normalidade e usualidade exigidos pelo artigo 47 da Lei nº 4.506/1964, classificando-os como despesas excepcionais decorrentes de sinistro, o que inviabiliza sua dedução. Para o órgão, permitir o abatimento representaria uma socialização indevida do risco empresarial.
Após a celebração do TTAC, a Vale S.A. passou a ser responsabilizada de forma subsidiária, por ser acionista da Samarco. Assim, a empresa também tentou deduzir valores semelhantes do IRPJ e da CSLL, utilizando a mesma fundamentação apresentada pela Samarco.
Na tese acolhida pelo Carf, a Vale foi tratada como corresponsável subsidiária, e seu pedido de dedução foi igualmente negado. O colegiado destacou que “os repasses não se relacionam com as transações ou operações de suas atividades produtivas”, reafirmando a impossibilidade de tratar tais gastos como despesas operacionais.
Em nota oficial, a Samarco informou que continuará discutindo o caso nos processos administrativos, ressaltando que cumpre rigorosamente o Novo Acordo do Rio Doce e reafirmando seu compromisso com as ações de reparação ambiental e social. A decisão ainda cabe recurso dentro do Carf.
Entenda o caso
O rompimento da barragem de rejeitos de Fundão, em Mariana (MG), ocorreu em 5 de novembro de 2015 e ficou marcado como um dos maiores desastres ambientais do Brasil. A estrutura, de propriedade da Samarco Mineração S.A., liberou um enorme volume de lama e detritos que devastou o distrito de Bento Rodrigues, causando destruição generalizada. A tragédia deixou 19 mortos, dezenas de desaparecidos e centenas de desabrigados.
Logo após o rompimento, a onda de lama percorreu mais de 600 quilômetros pelo leito do Rio Doce, alcançando o litoral do Espírito Santo. O distrito de Bento Rodrigues, localizado a cerca de 25 km do centro de Mariana, foi praticamente arrasado. Imagens registradas na época mostravam casas soterradas, carros arrastados e ruas completamente cobertas por rejeitos de mineração.
Nos dias seguintes, a lama continuou avançando pelos afluentes do Rio Doce, ampliando os danos ambientais e sociais. A Samarco declarou, naquele momento, que ainda não era possível determinar as causas nem a real dimensão do desastre, enquanto as autoridades orientavam os moradores das áreas próximas a deixarem a região por segurança.
Com o passar dos dias, as notícias sobre mortes e desaparecidos se tornaram mais precisas, e o número oficial de vítimas foi consolidado em 19 pessoas mortas e cerca de 600 famílias desabrigadas. A tragédia mobilizou equipes de resgate, entidades ambientais e órgãos públicos em uma operação de grandes proporções.
Além da destruição humana e material, os impactos ambientais foram devastadores. A lama contaminou o Rio Doce, provocando morte em massa de peixes, afetando a biodiversidade local e comprometendo o abastecimento de água potável em diversas cidades ao longo do curso do rio. O episódio evidenciou a fragilidade dos sistemas de controle ambiental e gerou um longo processo de reparação e responsabilização judicial.


